‘A última ponta’: Planet Hemp encerra trajetória histórica com turnê de despedida pelos estádios do Brasil

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A fumaça que virou movimento

A maior banda de raprockandrollpsicodeliahardcoreragga do mundo — como eles mesmos se definem — está se despedindo dos palcos. O Planet Hemp, grupo que moldou a contracultura brasileira desde os anos 1990, anunciou a turnê de encerramento intitulada “A Última Ponta”. A série de shows, que começou em Salvador no dia 13 de setembro, passará por Recife, Curitiba, Porto Alegre, Florianópolis, Goiânia, Brasília, Belo Horizonte e São Paulo, encerrando no Rio de Janeiro, em 13 de dezembro.

A despedida acontece em estádios lotados, reunindo mais de 40 mil fãs em cada apresentação. É o ponto final — ou a “última ponta” — de uma história que começou de forma quase improvisada, quando sete pessoas assistiram ao primeiro show da banda, em 24 de julho de 1993, no Garage Art Cult, no Rio de Janeiro.

Três décadas depois, o Planet Hemp deixa um legado de coragem, questionamento e resistência. Em meio a prisões, censura, brigas e reconciliações, o grupo transformou a fumaça da polêmica em movimento cultural e social.


Da garagem à consagração

Na virada dos anos 1990, um jovem skatista e apresentador da MTV, Marcelo D2, uniu forças com o amigo e mentor Skunk para fundar a banda que misturaria rap e rock alternativo, sampleando Nirvana, The Smashing Pumpkins e Sonic Youth. A proposta, nas palavras do próprio D2, era simples e revolucionária:

“Planet Hemp é fumaça sonora. É a mistura de todas as músicas com o vocal em cima do rap. A proposta da banda é legalização e não comercialização.”

A ousadia do Planet Hemp atraiu uma geração inteira de jovens inconformados, que viam no grupo um espelho da liberdade que tanto buscavam após a ditadura militar. O som pesado e as letras provocativas ecoavam nas rádios e nas ruas, abrindo espaço para novas vozes como O Rappa, Charlie Brown Jr., Skank, Los Hermanos e Raimundos.


Liberdade de expressão como bandeira

A legalização da maconha sempre foi uma das causas centrais do Planet Hemp. Mas, mais do que isso, o grupo se transformou em símbolo de liberdade de expressão no país. Ao enfrentar a censura e desafiar os limites da moral conservadora, os integrantes colocaram o debate público sobre o que é apologia, o que é arte e o que é direito de se manifestar.

Nos anos 1990, as prisões de membros da banda por “apologia às drogas” provocaram indignação e ampliaram a discussão sobre liberdade artística. A cada obstáculo, o Planet Hemp respondia com mais atitude — e mais música.


O som que moldou gerações

Quem viveu a juventude dos anos 1990 lembra do impacto das primeiras músicas do Planet Hemp nas rádios. Era o som de uma banda sem medo. Canções como “Mantenha o Respeito”, “Legalize Já” e “Queimando Tudo” se tornaram hinos de resistência.

A energia dos shows era algo incontrolável. Em cada riff e batida, havia uma mistura explosiva de revolta e esperança. Para muitos fãs, como lembra o repórter que cresceu ouvindo a banda, assistir ao Planet Hemp ao vivo “não era um passeio de parque — era uma experiência perigosa e libertadora”.

“Esses caras formaram a banda que não demonstrava ter medo”, escreveu o jornalista Alexandre, um dos autores da reportagem original. “Quando eu pensei que eles iriam parar de desafiar o conservadorismo da opinião pública para não acabarem presos, eles simplesmente foram presos e dobraram a aposta.”


A influência que não se apaga

Mais de trinta anos depois, o Planet Hemp segue sendo referência e inspiração para artistas de diferentes gerações. O produtor e tecladista Apollo Nove, que colaborou com a banda entre 1995 e 1997, explica o fenômeno:

“O Planet Hemp é um fenômeno primeiramente pela energia das pessoas da banda. Vindo de São Paulo, era surpreendente para mim ver a liberdade que eles tinham ao criar e exercer a sua arte, numa época em que as bandas paulistas eram cheias de fórmulas e regras. Muito mais do que uma busca pelo sucesso, é uma busca pela expressão e pela representatividade. E por diversão, lógico.”

Apollo acrescenta:

“Acho a importância do Planet Hemp inestimável no cenário nacional. É só ver quantos artistas incríveis surgiram da cena por conta da banda: Marcelo D2, BNegão, Black Alien, Seu Jorge, o DJ Zegon que hoje tem o Tropkillaz, e eu mesmo.”

O legado da banda pode ser ouvido no som catártico do BaianaSystem, no discurso contundente do Black Pantera e na ousadia de dezenas de artistas independentes.


O adeus com respeito e celebração

A turnê “A Última Ponta” é, ao mesmo tempo, um encerramento e uma celebração. Reunindo Marcelo D2, BNegão, Formigão, Nobru, Pedro Garcia e Daniel Ganjaman, o grupo apresenta pela última vez nos palcos os grandes momentos de sua carreira — do clássico “Usuário” (1995) ao premiado “Jardineiros” (2022), vencedor do Grammy Latino.

Em Porto Alegre, o encontro com os fãs gaúchos está marcado para o dia 4 de outubro, na KTO Arena, às 23h. Será um dos momentos mais emocionantes da despedida.

“A missão Planet Hemp foi cumprida”, resume D2. “Agora é buscar novos limites para desafiar.”


A banda sem medo

O Planet Hemp encerra suas atividades como começou: fiel à própria verdade, provocador, contestador e livre. Para uma geração que aprendeu com eles a pensar, questionar e agir, o fim da banda não é um adeus definitivo — é o início de uma nova fase da hemp family.

Como disse o produtor Ganjaman, um dos parceiros mais próximos da banda, durante a conversa com os repórteres:

“Esses jovens senhores sabem que a missão foi cumprida. Agora dá pra respirar, olhar pra trás e ver o quanto essa loucura toda fez diferença.”

Três décadas depois, o Planet Hemp continua sendo a prova viva de que a música pode ser, sim, uma forma de resistência.

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